CARONTE
para te acalmar
canção de ninar-se
sabe, o fim é o destino infalível de tudo que nasce
para prosseguir
o que levas é pouco
talvez uma face sorrindo na foto de um berço
bem pouco
você vai sentir
falta de um momento
pra se despedir do que era seu
mas não há
não deu
vai surgir do rio
um barqueiro sem rosto
vem com a mão estendida pra sua moeda de imposto
quando ele vier
não, não tenha medo
a viagem já vai começar
o sufoco já vai terminar
(você conseguiu)
você apareceu aqui
vai ver que é assim
o fim não é tão mal
o que veio o caronte levou
o que vem o caronte levará
quando ele vier
não, não tenha medo
o sufoco já vai terminar
(você vai partir)
você apareceu aqui
você nasceu, viveu, morreu aqui
vai ver que é assim
o fim não é tão mal
caronte
caronte
o que veio o caronte levou
o que vem o caronte levará
SIM
da tua teia eu quis
um fio pra ser feliz
mas você decidiu
que era pouco assim
e é de tanto adeus
que nasce a cicatriz
que um dia irá curar
basta você cuidar
meu bem
não chore por aí
distância é pra quem quer, e vai ferir
meu bem
não me deseje mal
se sabe que eu retorno ao teu menor sinal
ao teu primeiro sim
e tudo ocorrerá
da tua teia eu quis
um fio pra ser feliz
e nasça desse nó
tudo que a gente diz
e foi de tanto adeus, sim
nasceu a cicatriz
e tudo é final
e tudo é fatal
meu bem
não chore por aí
distância é pra quem quer até o fim
meu bem
não me deseje mal
se sabe que eu imploro ao teu menor sinal
ao teu último sim
já sinto acelerar a tua pulsação
e o mundo inteiro gira em torno dessa maldição
que deixa você lá e eu aqui
e como um cata-vento faz
no olho do verão
engrena o vórtice violento da imaginação
de um tempo que virá ou já se foi
quantas vidas cabem em nós dois?
será que ocorrerá?
sim, tudo ocorrerá
enfim
PLANETÁRIO
num planeta nublado de cores elegantes
num canto esquecido deste universo
à beira da galáxia de leite
como se pudesse calcular pra onde iria
o inerte fez-se vivo
e o vivo consciente
o nada, logo pôde, fez-se gente
se o dia chegar
de longe virá
o homem do bem
pra abençoar
planeja voltar
potente e ateu
um ponto de fogo
navega no corpo de deus
no exato instante logo lembro da criança
de olhos faiscados que miram na distância
um astronauta dando tchau do céu
como se pudesse entender a própria sorte
entre mais de zilhões de possibilinortes
vai atrás do que há por vir
se o dia chegar
de longe virá
o homem do bem
pra abençoar
planeja voltar
potente e ateu
um ponto de fogo
navega no corpo de deus
INSÔNE
ao se deitar
e esvaziar
a mente vai
te procurar
pra que te deites
nela
o teu lugar
vai te esperar
entre o meu braço
e o meu olhar
o teu espaço
de repousar
meus olhos desatam os cadarços
que apertam teus pés tão cansados
e folgam tua roupa já gasta
pra que eu te vista de céu
... e de ciúme
todo o ciúme que eu sinto
da paz que exalas por aí
ei que é coisa minha
deve ser saudade
deve ser bobagem
mas, pela caridade, meu bem
eu te quero nesse trem
em direção a mim
eu sinto ciúme, sim
da paz que exalas por aí
isso é coisa minha
faça essa bondade
chega de saudade
pela caridade, meu bem
entre logo nesse trem
vem me fazer dormir
VALENTINA
valentina
minha heroína
foi nascer
uma menina linda
com os olhos da tua mãe
e as garras do pai
ainda traz no corpo a dor que te define mais
o teu pelo curto brasileiro traiçoeiro fere a paz
e esse é o tanto que te faz melhor pra mim
esse é o tanto que te faz melhor pra mim
ô, valentina
disciplina-te a afiar
e tuas unhas vão bastar
pra que a gente vá
embora daqui
valentina
doce bailarina
você passou
como uma serpentina
e o vento que te levou
num sopro feroz
recorre nesse sonho torto que ficou de nós
o teu pelo curto brasileiro traiçoeiro fere a paz
e esse é o tanto que te faz melhor pra mim
esse é o tanto que te faz melhor pra mim
esse é o tanto que te faz melhor pra mim!
ô, valentina
pequenina – quem domará
as tuas unhas e o teu livre coração?
volta logo e me leva pela mão
pra que a gente
pra que a gente vá
embora daqui
(valentina, vá embora!)
TRÊS LUZES FIXAS
eu vou evitar
chamar-te pelo nome
a voz ao telefone
dói mais que injeção
eu vou evitar
fumar dentro do quarto
você só chega em março
preciso me acalmar
é mais longe do que eu aguento caminhar
por isso eu dirijo o meu carro
tão rápido quanto eu consigo acelerar
pra descontar na vida
a estranha ferida
eu vou evitar
olhar-me no espelho
a barba no joelho
preguiça de aparar
eu vou evitar
ter medo de ter filho
se bem que o teu sorriso
me dá umas idéias
é mais longe do que eu aguento caminhar
por isso eu dirijo o meu carro
tão rápido quanto eu consigo acelerar
pra descontar na vida
a estranha ferida:
te ter e não poder te alcançar!
é mais longe do que eu aguento caminhar
eu vejo três luzes fixas
com duas intermitentes no céu
eu sei: um avião te leva
mas deixa a ferida
ZEN TOTAL DO OCIDENTE
o barulho da cidade
o silencio do interior
parece que a vida é mesmo feita de opostos
o barulho do coração
o silêncio do exterior
não há peito que ainda pulse, irmão,
teu ex-sonho mais ingênuo
e esse canto vem te oferecer
uma droga de poder
esse é o zen total do ocidente
zen total do nosso amor
zen total do ocidente
e ele vai te encontrar
e te livrar da dor
não há peito que ainda pulse, irmão,
teu ex-sonho mais ingênuo
e é por causa dessa anulação
que essa droga vai pegar
esse é o zen total do ocidente
zen total da nossa dor
zen total do ocidente
e ele vai te encontrar
bem cortante, bem chapante, bem polido
e quando enfim te viciar
vai te livrar do amor
PISTA ÍNTIMA
só você tentou me convidar
eu pensei que ia tropeçar
descobri que a gente pode mais
muito mais do que dizer jamais
meu coração virou uma pista
e ela dançou
e mal acreditou quando
me viu dançar também
se você não sabe o que dizer
quando me dá a mão
basta que você me dê a mão
e se não sabe dizer por que é tão bom
basta que você não saiba
só pra mim, que sempre fui e sou
pouco hábil com os pés, olhou
meu coração virou uma pista
e ela dançou
e mal acreditou quando
me viu dançar também
se você não sabe o que dizer
quando me dá a mão
basta que você me dê a mão
e se não sabe dizer por que é tão bom
basta que você não saiba
eu também não sei
basta ser nós dois
e basta
CORTE
leva agora os teus dias
o teu cheiro da minha cama
só me deixa uma roupa e os discos
e o silêncio das horas
faz do teu corpo um carro sem rumo
e te perde numa curva na direção
garante que as luzes dos edifícios
não me apontem tua posição
no teu quarto escuro
nos teus olhos duros
nos teus dentes sanguinários à espera de alguém entrar
o teu tempo é pouco
cada vez mais pouco
cada vez mais pouco
cada vez mais
vai embora com esses teus jeitos
que apodecem tudo que tocam
já não sinto os teus dedos
nem calor nem frio me provocam
no teu quarto escuro
nos teus olhos duros
nos teus dentes sanguinários à espera de alguém entrar
o teu tempo é pouco
cada vez mais pouco
cada vez mais pouco
cada vez mais
CASA DA LUA
não cabe mais ninguém
no útero da terra
quero uma casa da lua
você vem comigo?
como um camaleão
vestir-me só de estrelas
contraste da amplidão
com minha pele vermelha
um cometa indicará
algum planeta onde não há
luz qualquer que ofusque o meu
pequeno apogeu
como um camaleão vestir-me
só de estrelas
contrasto com a amplidão
minha pele é vermelha
um cometa indicará
algum planeta onde não há
luz qualquer que ofusque o meu
pequeno apogeu
OS CINCO
cinco gatinhos no muro
o andar inseguro
olhando pro chão
tudo é tão curioso
será um cachorro
depois do portão?
hoje a lua ilumina
a face felina
de um novo leão
venham, desçam pro mundo
não é tão seguro
mas vale o talvez
se foi pouco o tempo na vida
a gente eterniza
com a nossa canção
NÃO
escuta aqui
não foi assim que aconteceu
por quanto tempo isso doeu
e ainda dói?
preste atenção
por quanto tempo acreditei?
foi quase o tanto quanto errei
não quero errar mais
meu veleiro agora deixa o teu cais
devo dizer
que muito fui feliz ao lado teu
bem mais do que as linhas que a canção me deu
e isso vai ficar
pouco haverá
de mim em ti no tempo que virá
e esse pouco quando em ti cantarolar
acusará
que eu estive aqui
MÓBILE
acordar no céu
gatos de papel
o móbile no ar
um carrossel
toma essa canção
com notas de algodão
e canta pra ninar
teu coração
e bem depois, quando eu não estiver aqui
cante-a pra mim
como um remédio doce pra curar a dor
cante-a pro seu pequeno amor
móbile no ar
móbile no céu
a nossa vida é
um carrossel